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  • fabianacgtrab

DESCONSIDERAÇÃO DA PESSOA JURÍDICA E A RESPONSABILIDADE DIRETA DO SÓCIO

Algumas práticas corriqueiras no exercício da empresa podem levar à responsabilidade pessoal do sócio ou administrador fazendo com que seu patrimônio particular seja garantidor da dívida da sociedade.

 


Começando pelo início, para desconsiderar é preciso levar em consideração alguma coisa, correto?


Para tratar do tema é preciso deixarmos claro que estamos considerando as sociedades empresárias que são personificadas, ou seja, as empresas registradas na Junta Comercial cuja responsabilidade é limitada ao capital social subscrito (contido no contrato social) e integralizado (pago).


Essas pessoas jurídicas possuem características essenciais que permite autonomamente ser detentora de direito e contrair obrigações em nome próprio, se desvinculando da pessoa do sócio. À isso denominamos autonomia patrimonial da sociedade.


Conceder autonomia é uma maneira de “fomentar o exercício de atividades econômicas que, de outro modo, possivelmente nem viriam a ser exploradas”.[1]


As demais sociedades que não possuem a limitação da responsabilidade ao capital social ou que escolheram o tipo limitada, mas não pagaram (integralizaram) o patrimônio à sociedade, essa autonomia não está formada, podendo, desta forma, os sócios serem responsabilizados diretamente pelas dívidas da empresa.

Inclusive está no Código Civil a partir da Lei da Liberdade Econômica, que acrescentou a redação no art. 49, pu, em 2019, veja:


Art. 49-A. A pessoa jurídica não se confunde com os seus sócios, associados, instituidores ou administradores. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)

Parágrafo único. A autonomia patrimonial das pessoas jurídicas é um instrumento lícito de alocação e segregação de riscos, estabelecido pela lei com a finalidade de estimular empreendimentos, para a geração de empregos, tributo, renda e inovação em benefício de todos.


Então, é possível extrair que as sociedades empresárias cujo tipo é limitada (ao capital social) assumirá as suas próprias obrigações, em nome próprio até o limite do capital contido no contrato social. Essa é barreira que levamos em conta para ser desconsiderada e trazer o patrimônio do sócio para pagar pela dívida da empresa.



Porque esta barreira é desconsiderada?


Em algum momento o sócio ou administrador (as vezes o administrador é próprio sócio) agiu com abuso do uso da personalidade jurídica.


Não se pode permitir a utilização da autonomia da personalidade da pessoa jurídica de uma forma indiscriminada, sobretudo para o cometimento de fraudes e abusos.


“por vezes, a autonomia patrimonial da sociedade empresária dá margem à realização de fraudes. Para coibi-las, a doutrina criou, a partir de decisões jurisprudenciais (nos EUA, Inglaterra e Alemanha, principalmente) a ‘teoria da desconsideração da pessoa jurídica’, pela qual se autoriza o Poder Judiciário a ignorar a autonomia patrimonial da pessoa jurídica, sempre que ela tiver sido utilizada como expediente para a realização de fraude. Ignorando a autonomia patrimonial, será possível responsabilizar-se, direta, pessoal e ilimitadamente, o sócio por obrigação que originariamente cabia à sociedade.”


É nesse sentido que entra a figura a desconsideração da PJ. Ignorando a autonomia patrimonial, será possível responsabilizar-se, direta, pessoal e ilimitadamente, o sócio por obrigação que originariamente cabia à sociedade.



Como o sócio ou administrador age com abuso da personalidade?


Dependerá do objeto que está sendo discutido na ação.


Atualmente, com a redação trazida pela Lei da Liberdade Econômica, o Código Civil – CC/02 passou a conceituar o que é abuso da PJ, traduzido em desvio de personalidade e confusão patrimonial, vejamos:


“Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso. (Redação dada pela Lei nº 13.874, de 2019)

§ 1º Para os fins do disposto neste artigo, desvio de finalidade é a utilização da pessoa jurídica com o propósito de lesar credores e para a prática de atos ilícitos de qualquer natureza. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)

§ 2º Entende-se por confusão patrimonial a ausência de separação de fato entre os patrimônios, caracterizada por: (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)

I - cumprimento repetitivo pela sociedade de obrigações do sócio ou do administrador ou vice-versa; (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)

II - transferência de ativos ou de passivos sem efetivas contraprestações, exceto os de valor proporcionalmente insignificante; e (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)

III - outros atos de descumprimento da autonomia patrimonial. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)


Dois adendos importantes:


O Conselho de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal – CEJ entende que a insolvência da pessoa jurídica dispensa comprovação. Significa dizer que indícios de débitos maiores de faturamento enseja motivo de desvio de finalidade.


Outro ponto a ser observado neste momento é o texto do artigo 1.080, CC/02 onde encontramos as deliberações que infringem contrato ou lei tornam a responsabilidade ilimitada daqueles que a aprovaram. Vale dizer, este tipo de atitude já basta para que a responsabilidade seja ilimitada, sendo desnecessário DPJ. Ou seja, nesse caso, a autonomia patrimonial não servirá de escudo para a responsabilização pessoal e direta.


Mas, como eu disse, a desconsideração dependerá do objeto que está em litígio. Bem antes da atual redação do Código Civil, o mesmo já tratava do assunto de uma forma menos detalhada o que enseja diversas discussões, inclusive tendo o Superior Tribunal de Justiça emitido decisão com efeito aplicável repetidamente nos demais processos para regrar uniformemente as hipóteses.


[Eu não vou tratar de questões polêmicas doutrinárias porque a minha intenção aqui é traduzir o direito na prática levando objetividade ao assunto. Vou tratar apenas o que interessa ser conhecido pelos empreendedores para agir de forma preventiva de litígios.]


Contudo, a primeira possibilidade legal apareceu no Código de Defesa e Proteção do Consumidor (Lei nº 8.078 de 11 de setembro de 1990), que prevê em seu art. 28 e parágrafos que basta o mero prejuízo do credor se efetive para desconsiderar a personalidade jurídica. Ou seja, se a PJ não tem mais bens, já poderia executar os sócios. Sendo abraçada pelo STJ.


Em seguida, houve a edição da Lei nº 8.884/1994, posteriormente revogada pela Lei nº 12.529/2011 (Lei de Defesa da Concorrência), que trazia a previsão sobre a desconsideração da personalidade jurídica em seu art. 18; hoje, com mesma redação no art. 34 e parágrafo único da Lei nº 12.529/2011. Em seguida, houve a edição da Lei nº 9.605/1998 (Lei de Crimes Ambientais), cujo tema da desconsideração é trazido no art. 4º. Tendo sido o último ordenamento, até então, o Código Civil, que passou pela recente alteração da Lei da Liberdade Econômica.


Sem entrar em miúdos, vamos ao que interessa porque eu disse à você que dependeria do objeto da ação para o juiz desconsiderar a pessoa jurídica. Porque?


Porque a partir da matéria que está sendo discutida na ação se a adota critérios menos ou mais exigentes para essa quebra de barreira.


Pode-se dizer que no Direito do Consumidor não se exige muito para conceder o pedido. À essa pouca exigência damos o nome técnico de Teoria Menor. Trocando em miúdos: permite a DPJ quando há o mero prejuízo ao credor. Ou seja, se a sociedade não tem mais bens, já poderia executar os sócios. Está positivada no 28, §5º, CDC.


Por outro lado temos hipóteses em que serão exigidos critérios mais específicos e comprovação desses indícios. Chamamos de Teoria maior positivada no CC. Só cabe a DPJ de forma excepcional, quando temos caracterizado o abuso da PJ- desvio de personalidade e confusão patrimonial. Aplicada nas relações empresariais.


Para legislação ambiental, Poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados à qualidade do meio ambiente.


Mas, Fabi, afinal, pode me dá exemplos práticos do que fazemos de errado e não nos damos conta que pode ensejar a DPJ? Claro! Pega um chá e continue lendo ...


Sabe a fatura do seu cartão de crédito ou boleto da escola do filho que você, por algum motivo, pagou na conta da PJ?


Sabe a fatura do fornecedor que você pagou na sua conta bancária particular?


Aquela compra da copa que você pagou o seu cartão de crédito porque estava a caminho do escritório e sem o cartão corporativo?


E aqueles pagamentos que entram diretamente na sua conta pessoal sem passar pelo caixa da empresa?


Tudo isso não seria caracterizado como confusão patrimonial se você tivesse tomado o cuidado de contabilizar e escriturar. Na correria do dia a dia esses fatos são praticados indistintamente, sem qualquer intenção, mas como os critérios são objetivos, pouco importa ao juízo se agiu de boa ou má-fé!


Fechar as portas da empresa é o fechamento de fato da sociedade empresária. Significa dizer, as atividades são cessadas sem a correspondente baixa no registro do comércio (Junta Comercial).


A baixa regular é baixa na Junta comercial, se a sociedade não tem condições, deve se valer da lei de recuperação e falência para explicar as causas da sua derrocada, salvaguardando o patrimônio dos quotistas quando demonstrado que não houve ato ilícito.


O encerramento irregular não basta por sí só para ser considerado abuso de personalidade, é preciso ter a intensão de prejudicar terceiro, infringir a lei ou contrato.


Agora que você já sabe as causas que ensejam a quebra da autonomia patrimonial da sua sociedade empresária, você precisa saber como isso se aplica na prática. O credor ingressa com ação e automaticamente a desconsideração se opera ou existe um procedimento de defesa do devedor, esgotamento de diligencias para averiguar se houve abuso ou não, etc?


Para não ficar um artigo longo e desestimular sua leitura, eu resolvi separar em dois textos. Aí você escolhe seguir com os conhecimentos ou parar por aqui porque sua curiosidade já foi atendida.





[1] Cf. VALLADÃO A. e N. França, Erasmo; VON ADAMEK, Marcelo Vieira. Empresa Individual de Responsabilidade Limitada (Lei 12.2441/2011): Anotações. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, n. 163, ano LI, setembro-dezembro 2012, pp. 29-30.




BIBLIOGRAFIA:


COELHO, Fabio Ulhoa. Curso de Direito Comercial – Direito de Empresa - Volume 2. 22ª Edição. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2019.


VALLADÃO A. e N. França, Erasmo; VON ADAMEK, Marcelo Vieira. Empresa Individual de Responsabilidade Limitada (Lei 12.2441/2011): Anotações. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, n. 163, ano LI, setembro-dezembro 2012, pp. 29 e ss.

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